O que pode ser aborrecido?
Primeira ideia: Ir à casa de banho com vontade para... voçês sabem... e ficar naquela indefinição (de faces roburizadas e ligeira contractura abdominal ineficaz) sobre se a causa da nossa ida será igualmente a causa da nossa saída? Traduzido quer dizer que "la merde" quer sair (fica mais fino em frânces e dá ar de intelectual rasca à pessoa que escreve) mas não encontrou gases suficientes para percorrer todo o caminho e vencer a tensão do esfíncter ou esfínter (novo acordo ortográfico). A isto chama-se conversa da horita aborrecida. Mas tudo o que desce de nível (pretensamente na boca dos nossos conterrâneos), sobe de interesse. É como o caso da Casa Pia. La merde est jusq'à a la porte mais elle se refuse à partir pour l'egout. É triste mas concreto. Tão concreto que dá ocupação a muita gente gerando uma dinâmica económica e social própria.
Segunda ideia: Não ir à casa de banho com medo de rebentar pois a pressão interna é tanta que as paredes ficarão castanhas e nauseabundas. Ninguém gosta de coisas nauseabundas... e sabemos que ninguém espera tanto tempo para aliviar a pressão intestina... vai libertando aos pouco essa matéria orgânica sabendo que está a contribuir para a brancura das paredes que perdurará pela eternidade. Chama-se a este o defecador higiénico ponderado. Conspurca mas com conta peso e medida. No fim ficamos a saber que todos conspurcamos um pouquinho, aqui, ali, aqui e acolá, para contribuir para um mundo mais limpo e menos nauseabundo.
Terceira ideia: Ser cumpridor, sem subterfúgios, sem fugas, adiamentos ou antecipações. Ir à casa de banho quando se tem vontade e encarar todos aqueles que sabem que lá vamos de espinha dorsal direita, afirmando pelo olhar que sabemos que eles também o fazem... também se sentam... também evacuam, contribuindo para um mundo mais higiénico.
Como já deu para perceber a horita está a tornar-se deprimente e mal cheirosa. Quem criou os odores, ao criar os maus cheiros, ou bons, é porque queria ser amigo(a). Deixou-nos uma dicotomia entre o bem e o mal, entre a o cheiro de alfazema e da decomposição do esterco de porco. Ser Homem é isto mesmo. Viver no meio desta merda toda e acreditar sempre que existe o Bem, que tudo é cândido, que tudo é alvo, que tudo é puro.
O mais revelador é que o conceito de pureza existe e é defendido na propalada dissimulação da superioridade da espécie humana perante as outras espécies.
Que pureza existe quando um Homem de classe média (ou alta) passa por um seu semelhante ajoelhado na porta de uma igreja ou mercado e desvia o olhar como se não existisse ali nada? Vazio, vácuo. Um vácuo que pede, que implora, que sofre pela vida desventurada proporcionada ou auto-infligida, mas não existente aos olhares alheios.
Horita mediana. Também fazes o mesmo. Cala-te!
Somos então virtuosos? Ou queijos suiços com bolor? Que nos distingue da hienas ou dos chacais que atacam em grupo e se defendem em famílias? Que nos distingue de uma colónia de formigas? Imaginemo-nos sobre uma grande metrópole dotados de visão ocular com lente video grande angular! O movimento das pessoas nas artérias das cidades, visto de cima, a uma distância proporcional do olho humano em relação à colónia de formigas, coloca os homens e mulheres citadinos, na qualidade de formigas, em movimentos imaginariamente aleatórios (na óptica do observador), contudo concorrentes para a satisfação dos meios recursos e riquezas que satisfaçam as necessidade do formigueiro e das formigas, e no caso dos homens, dos seus Reis e Rainhas, Princípes e Princesas, Duques e Duquesas, Barões e Baronesas, Condes e Condessas, Burgueses e Burguesas, Clero e Anti-clero, Maçons e Antí-maçons, Ecologistas e Anti-ecologistas, Almirantes, Vice-Almirantes, Contra-Almirantes e Comodoros, Marechais, Generais, Tenentes-Generais, Majores-Generais, Brigadeiros-Generais, Coronéis, Tenentes-Coronéis, Majores, Super-Intendentes, Intendentes, Comissários e Subcomissários, Conselheiros e Desembargadores, Especialistas, Presidentes, Ministros, Secretários-de-Estado, Adjuntos, Chefes de Gabinete, Assessores, Governadores, Embaixadores, Vereadores e todos os outros necessários.
Visto ao pé o homem ganha tanto encanto que o cavalo não deixa de o premiar. Ligar o som.
Visto ao pé o homem ganha tanto encanto que o cavalo não deixa de o premiar. Ligar o som.
Agora a sério. Este video é uma ínfima amostra de como podemos transformar uma horita aborrecida num momento cómico. Certas espécies de animais demonstram alegria e felicidade (chimpanzés, bonobos - vá-se lá saber porquê - cães, biscoitos, etc.) mas rir de si próprio ainda só vi o Homem fazê-lo, e os que o conseguem fazer serão por certo mais felizes e equilibrados no relacionamento com os restantes, o que nos dá uma certa esperança no futuro quando encontramos um. E voçê? Hoje encontrou um seu semelhante capaz de se rir de si próprio? É capaz voçê mesmo(a) de se rir?
